Landsteiner, Karl (1868-1943)

Karl Landsteiner nasceu na Áustria, perto de Viena, em 1868. Tinha seis anos quando o pai, um jornalista judeu, morreu. Estudou medicina na universidade de Viena, onde se doutorou em 1891. Estudou depois química em Munique e Zurique e, em 1896, de volta a Viena, tornou-se assistente de Max von Gruber, um bacteriologista e higienista que, nesse mesmo ano, publica as suas descobertas sobre o fenómeno da aglutinação, a propósito do vibrião da cólera (1).

Nos anos seguintes, Landsteiner dedicar-se-á a investigar as aglutininas de von Gruber, seja contra bactérias seja contra as hemácias, cuja relação com os fenómenos de aglutinação tinha sido descrita anteriormente por Adolf Creite e Leonard Landois 
(2). Desse trabalho resultarão dois artigos seminais, publicados em 1900 e 1901.

No artigo de 1900, em que descreve os seus estudos sobre a aglutinação de eritrocitos humanos, relaciona pela primeira vez os trabalhos e observações anteriores sobre a aglutinação de bactérias e a aglutinação de eritrocitos, postulando que o mecanismo subjacente aos dois fenómenos é o mesmo: componentes do sangue (proteínas) capazes de causar a aglutinação e eventual destruição de células específicas 
(3).

Em 1901 publica um artigo mais detalhado sobre a matéria. Concluíra já que a presença de aglutininas não acontecia apenas em indivíduos doentes (também existiam no sangue de indivíduos saudáveis). O que lhe interessava agora era perceber se a especificidade das aglutininas se verificava somente ao nível da espécie ou se, ao contrário, se verificaria também entre indivíduos da mesma espécie.

Landsteiner não testou apenas amostras de soro e eritrocitos tomadas aleatoriamente. Recolheu sangue de 29 pessoas (incluindo ele próprio e alguns dos seus colegas de investigação) e cruzou sistematicamente os soros e eritrocitos de todos eles. Isso permitiu-lhe, não só identificar a existência de aglutinação em certos casos, mas também a sua inexistência noutros, de acordo com um padrão que lhe permitiu identificar 3 grupos de indivíduos: A, B e C. Sendo que os soros do grupo A aglutinavam os eritrocitos do grupo B, tendo os soros do grupo B o mesmo efeito sobre os eritrocitos do grupo A; que os soros do grupo C aglutinavam os eritrocitos dos outros dois grupos, A e B, mas os eritrocitos do grupo C não eram aglutinados pelos soros de nenhum dos outros dois grupos; e que os soros de cada grupo nunca aglutinavam os eritrocitos do mesmo grupo. O grupo C de Landsteiner acabou por ser renomeado como grupo 0 (zero), já que corresponde à ausência dos dois determinantes antigénicos A e B.

Landsteiner acabava de descobrir e sistematizar o sistema AB0. Pela primeira vez era possível compreender os mecanismos subjacentes à "variedade de consequências das transfusões de sangue" 
(4). Não era uma questão menor: desde 1818, quando James Blundell tentou transfundir sangue humano para mulheres com hemorragia pós-parto, inúmeras técnicas e variantes de transfusão tinham sido tentadas, geralmente com resultados desastrosos. Agora a compatibilidade de grupos sanguíneos entre dador e receptor tinha, enfim, bases sólidas. As primeiras transfusões sanguíneas bem sucedidas serão feitas, em 1907, por Reuben Ottemberg, no Mount Sinai Hospital, NYC.

Landsteiner continua a trabalhar em Viena até 1920, primeiro no Instituto de Anatomia Patológica da universidade e, a partir de 1911, como professor associado de anatomia patológica no Wilhelminenspital. Em 1908, com o seu assistente Erwin Popper, isola o vírus da poliomielite 
(5).

Mas a República Austríaca que sucede ao Império após o desastre de 1914-18 é um país arruinado. Landsteiner fará, nos anos que se seguem, um percurso comum a muitos outros cientistas e intelectuais europeus. Parte primeiro para a Haia, onde, para sobreviver, trabalha como preparador de anatomia num pequeno hospital e numa fábrica de produção de tuberculina. É aí que, em 1923, Simon Flexner, então director do Rockfeller Institute for Medical Research e que conhecia o trabalho de Landsteiner, o vai convidar para ir para a América, para trabalhar no instituto. Landsteiner aceita. Em 1927 identificará os grupos de sangue M, N e P e, em 1937 o factor Rhesus.



Notas:

  1. Na mesma altura em que Widal estudava e depois publicava as suas descobertas sobre a aglutinação da Salmonella typhii pelo soro de doentes, um médico e bacteriologista austríaco, Max von Gruber (1853-1927), estudava os mesmos fenómenos com o vibrião da cólera. Em 1887 tornou-se professor de Higiene em Viena. E foi em Viena que, juntamente com o seu aluno inglês Herbert Durham (1866-1945), descobriu o fenómeno da aglutinação bacteriana. Gruber descobriu o fenómeno da aglutinação bacteriana no contexto da sua investigação dos métodos para identificação do vibrião da cólera, distinguindo-o de outros vibriões, partindo da reacção, descrita por Pffeifer, de indução de alterações morfológicas no vibrião (convertido em esférulas ou corpos cocóides) ao misturá-lo com soro de um animal anteriormente imunizado contra aquele microrganismo.
  2. Landois não cita Creite na sua monografia de 1875 em que estuda exaustivamente as transfusões sanguíneas. O objectivo declarado de Landois era determinar se a destruição anteriormente descrita dos eritrocitos, após transfusão entre diferentes espécies, era dos eritrocitos do dador ou do receptor. Um dos capítulos continha a descrição das experiências realizadas in vitro, em que se inclui a observação da aglutinação eritrocitária.
  3. Em nota de roda-pé ao artigo de 1900, Landsteiner escreverá: “O soro de indivíduos saudáveis não só aglutina os eritrocitos animais como aglutina os eritrocitos de outros indivíduos. Fica por saber se o fenómeno se deve a diferenças individuais ou à existência de lesões causadas por infecção bacteriana.” Landsteiner, K. 1900. Zur Kenntnis der antifermentativen, lytischen und agglutinierenden wirkungen des blutserums und der Lymphe. Centr. Bakt. Orig. 27:357–362. (In German.) In F. R. Camp, Jr. and F. R. Ellis (ed.), Selected contributions to the literature of blood groups and immunology, vol. 1. The ABO system.
  4. Landsteiner, K. 1901. Uber agglutinationserscheinungen normalen menschlichen blutes. (In German.) In F. R. Camp, Jr. and F. R. Ellis (ed.), Selected contributions to the literature of blood groups and immunology, vol. 1. The ABO system.
  5. Horstmann, D. 1985. The Poliomyelitis Story: A Scientific Hegira, The Yale Journal of Biology and Medicine, 58 (79-90).

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