No corpus hipocraticus, conjunto de
aforismos fixado pela escola médica fundada por Hipócrates (460-377 AC), a saúde e a doença são explicadas em termos de humores e
do seu equilíbrio e desequilíbrio. São descritos quatro
‘humores’ ou fluidos corporais: sangue, flegma ou fleuma (muco), bílis amarela
(cólera), bílis negra (melancolia). O sangue
era a fonte de vitalidade (uma ideia que permanecerá até ao século XIX). A bílis
amarela era o suco gástrico, necessário à digestão. O flegma, categoria
abrangente de todas as secreções descoloridas, servia como lubrificante e
refrigerante – visível no suor e nas lágrimas, mais evidente na febre e no
frio. A bílis negra, ou melancolia, era mais complicado – impossível de isolar,
atribuía-se-lhe a responsabilidade de escurecer outros fluidos – quando o
sangue, as fezes ou a pele escureciam. Do balanço dos humores resultavam as
doenças: excesso de sangue resultava em febre, apoplexia ou mania; perda de
sangue resultava em vitalidade diminuída, coma e morte.
A
urina era vista como um compósito desses humores e, pela facilidade de colheita
e observação, tornou-se rapidamente um elemento essencial do exame médico.
Já havia referências ao estudo da urina em textos
sumérios, egípcios e hindus. E Hipócrates e Galeno recorriam ao exame da urina
para diagnóstico de doenças dos rins, bexiga e uretra. Mas são os árabes quem
elabora um sistema completo de estudo da urina: a uroscopia. Esta tradição
árabe passa depois para a Europa medieval onde, nos séculos XI e XII, a escola
médica de Salerno, que domina a medicina europeia e de que um dos mestres é Gilles
de Corbeil, a leva ao apogeu.
A uroscopia pode considerar-se a primeira técnica
sistemática de análise dos fluidos corporais. Mas, limitada à
vista, cheiro e sabor, as interpretações eram frequentemente fantasiosas e
delirantes.
É
verdade que, a partir do século XV, se verificam tentativas para estabelecer
uma abordagem experimental e quantitativa do estudo dos fluidos corporais. Em
1450, Cardinal Cusancis, no seu Diálogo de Estática, sugeriu o valor
clínico de pesar o sangue e a urina (bem como a quantificação das pulsações e
da respiração). O belga van Helmont (1579-1644) manteve uma árvore durante anos
num vaso, regando-a com água da chuva. No fim, a terra circundante pesava o
mesmo e a árvore aumentara de peso, e van Helmont concluiu que a árvore
aumentara de massa devido à água. Enfim, o italiano Santorio Santorio
(1561-1636) criou uma cadeira especial que lhe permitia pesar-se, aos alimentos
que ingeria e aos excrementos, e atribuiu a diferença à perspiração insensível.
Mas
só no século XVII é que Robert Boyle
fará a primeira abordagem quantitativa da urina (determinação da densidade) e
só no século XIX haverá um teste para a glicose e será estabelecida por Richard Bright a relação entre a
proteinúria e doença renal.
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