Bence-Jones, Henry (1813-1873)

A história começa com um merceeiro londrino, Thomas McBean, de 38 anos, que, durante umas férias na Escócia em 1844, sentiu subitamente dores no peito após uma queda. McBean recorreu ao seu médico, um tal Dr. Thomas Watson, que diagnosticou mollities ossium e tentou os tratamentos tradicionais: clisteres, sanguessugas e sangrias. Sem resultados visíveis. Em outubro de 1845, o quadro de dor persistente e emagrecimento leva o médico de McBean a referenciá-lo ao Dr. William MacIntyre (1).

Verificando a existência de edemas periféricos marcados, MacIntyre considerou a hipótese de nefrose e decidiu pesquisar albumina na urina, aquecendo-a até ao ponto de fervura e juntando depois ácido nítrico 
(2). Mas os resultados foram inesperados: a urina turvou ao ser aquecida mas, ao adicionar o ácido nítrico, não houve precipitação; a urina voltou a ficar límpida e assim se manteve durante uma hora, após o que se formou uma “substância amarelada”, que se dissolveu novamente ao ser aquecida. MacIntyre enviou a urina a Henry Bence Jones, então patologista no St. George’s Hospital, em Londres, com uma pergunta: What is it?

Henry Bence-Jones era, à época, um clínico bem sucedido 
(3) e o químico mais afamado de Londres. Nascido em Suffolk, em 1813, filho de um tenente-coronel de Dragões, estudara no Trinity College, em Cambridge, antes de começar os estudos de medicina, em 1836, no St. George’s Hospital. Interessou-se rapidamente pela química e começou a trabalhar na análise da composição dos cálculos urinários. Em 1841, depois de terminar a formação em medicina, passou seis meses no instituto de von Liebig, em Giessen. Voltou para Londres entusiasmado com as ideias de von Liebig (like a new light where all had been confusion and incomprehensible before, escreveu mais tarde). Durante os anos seguintes publicou vários artigos sobre cálculos urinários e a composição da urina e foi nessa qualidade que MacIntyre o escolheu.

Na análise que fez da urina, Bence-Jones confirmou a observação de MacIntyre: encontrou uma alta proporção de matéria albuminosa que, ao contrário da albumina vulgar, era solúvel quando fervia em ácido nítrico diluído.

McBean morreu em 1846. No relatório da autópsia, a que assistiu Bence Jones, é referido que “the osseous ribs crumbled under the heel of the scalpel”. Conclusão? “Atrophy from Albuminuria”.

MacIntyre publicou uma descrição do caso em 1850. Bence-Jones, entretanto, já publicara dois artigos sobre a composição da urina de McBean (1846 e 1848), em que anunciou a descoberta de uma nova proteína. Estava convencido que a misteriosa substância era um óxido de albumina: I need hardly remark on the importance of seeking for this oxide of albumen in other cases of mollities ossium.

Os edemas tinham pesado no raciocínio médico mais do que as dores. O significado da descoberta de Bence Jones permaneceria oculto por mais um século 
(4).

Apesar de Bence-Jones ser hoje conhecido sobretudo pela paraproteína que leva o seu nome, a sua contribuição para a ciência médica foi maior. Propôs um tratamento para a gota que incluía a monitorização do processo pelo doseamento do ácido úrico presente na urina do doente e estudou a difusão e a fixação dos fármacos nos tecidos através de séries de experiências em animais e, depois, em voluntários humanos.

Morreu em abril de 1873, com 60 anos, de insuficiência cardíaca.


Notas:

  1. William MacIntyre (1791-1857), médico inglês que publicou o caso clínico de McBean, a primeira descrição de um caso de mieloma múltiplo, em 1850. 
  2. A relação entre nefrose e albuminúria fora estabelecida por Bright e a sua equipa no Guy’s Hospital, bem como o método para a pesquisa de albuminúria. 
  3. Entre os seus amigos e doentes contavam-se Faraday, Helmholtz, Huxley, Darwin e Florence Nightingale. 
  4. O termo “proteína de Bence-Jones” foi usado pela primeira vez em 1880, por um alemão. O pico monoclonal na electroforese do soro foi descrito em 1939. Nos anos 1950, Leonard Korngold e a sua assistente Rose Lipari identificaram duas classes diferentes da proteína, que foram designadas, em sua honra, kappa e lambda. Só em 1961 é que Waldenström formulou o conceito de monoclonalidade, abrinco caminho à compreensão da verdadeira natureza da paraproteína descrita pela primeira vez mais de cem anos antes.

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